Todos nós temos amigos estranhos no Facebook e eu não sou excepção. Tenho amigos Benfiquistas, 90%, tenho amigos sportinguistas, tenho amigos portistas (reparem que não escrevi lagartos e andruptos porque são mesmo amigos reais, logo, gente boa) e tenho também, por incrível que pareça, amigos que pertencem à elite cultural do nosso país. Nestes nos últimos dias entraram em ebulição, indignados pelas honrarias que se prestavam a Eusébio.
Interrogavam-se frequentemente e logo com um eco intelectual por todos os comentários elitistas: "Se um simples jogadores merecia isto, o que não mereceria um Humberto, um Pomar, uma Maria João" (como bons elitistas nunca escrevem os nomes completos, faz parte do snobismo deles). Eu bem que lhes respondia que desses todos, o Eusébio tinha sido o único conseguir a calar G3s e AK47s, nem que fosse por 90 minutos e que a ele se deverá, certamente o facto ter havido menos viúvas brancas e negras, nos idos da guerra colonial mas eles conseguiam entender isso, essa parte do Lobo Antunes eles nunca tinham lido e continuavam a achar que Eusébio tinha sido apenas um gajo de dava pontapés na bola.
Hoje a Leonor dá-nos a resposta ideal para este tipo de gente:
Ó seus cromos pseudo-intelectuais o vosso ídolo Daniel Cohn-Bendit, o “Danny, Le Rouge” quando esteve em Portugal não pediu para conhecer a Fundação Soares e os seus seres superiores que por lá chulam o Estado, pediu para conhecer o seu ídolo Eusébio, isto diz bem da categoria do Rei, do anarquista mas diz também muito acerca desta elite esclerosada: são uns tristes e ao contrário do que seria de esperar, ignorantes.
Por isso Obrigado Leonor Pinhão
E despedimo-nos todos, por fim, do nosso século XX
Foi-se embora no fim-de-semana passado, o cidadão Eusébio da Silva Ferreira que se notabilizou nas décadas de 60 e 70 do século passado como um futebolista de excepção. Tratou-se de um desportista de inquestionável “fair-play”, idolatrado no seu clube e no seu país e, não é exagero dizê-lo, em todos os cantos onde o futebol tem expressão.
Tinha um belíssimo sorriso mas o mundo apaixonou-se por Eusébio quando o viu chorar numa tarde de Julho de 1966, já lá vão muitos anos.
Aliás, se os homens soubessem das emoções que despertam quando choram em público, chorariam mais vezes.
A fama de Eusébio enquanto jogador de futebol transformou-o num fenómeno de popularidade à escala global e é justo dizer-se de Eusébio que foi, involuntariamente, o maior embaixador de Portugal no século XX.
O maior embaixador, o melhor embaixador de Portugal e “sem encargos para o erário público”, como diz, e muito bem, a Maria Emília, uma amiga minha de há muitos anos.
Pelos primeiros dias de Junho passado recebi um telefonema de um velho amigo, António Loja Neves. Foi direito ao assunto o António.
Visitaria Lisboa nos próximos dias para participar numas jornadas coloquiais o pensador e eurodeputado franco-alemão Daniel Cohn-Bendit, que foi o rosto da revolta estudantil em Paris em Maio de 1968.
António Loja Neves, se bem me recordo, era organizador desse encontro político-filosófico na nossa capital e recebera de Daniel Cohn-Bendit um pedido urgente, de última hora e que muito desejava satisfazer por delicadeza e não só.
Cohn-Bendit queria absolutamente aproveitar a sua passagem por Lisboa para conhecer o português vivo que mais admirava, Eusébio. Era o seu ídolo, ponto final.
Passei sem demora a António Loja Neves um número de telefone dos serviços de Comunicação do Benfica e, alguns dias passados, constatei através da imprensa que Daniel Cohn-Bendit concretizou o seu sonho. Esteve com Eusébio, almoçaram juntos na Adega da Tia Matilde e trocaram presentes. Os relatos dessa ocasião referem que ambos se comoveram.
O ex-anarquista porque, nas suas palavras, esteve junto de uma lenda, a lenda porque estava longe de esperar que um pensador, uma figura histórica dos movimentos políticos estrangeiros do século XX, de quem provavelmente nunca tinha ouvido falar, lhe aparecesse à mesa com um monte de velhos recortes de jornais e de fotografias suas antigas, do tempo em que jogava futebol.
Em boa verdade, cada um à sua maneira era uma lenda, com direito a antonomásia e tudo. Eusébio, “a pantera negra”, Daniel Cohn-Bendit, “Danny, Le Rouge”, “Danny, o Vermelho” e não “Danny, o Tinto”, como alguns, quiçá apressadamente, se disporiam a traduzir ou por blasfémia ou por inveja ou por mal querença política.
Futebol não é propriamente alta cultura, assentemos nisto. Sabendo que, por palavras simples, existe uma cultura erudita que não exclui os populares e que sempre existirá uma cultura popular que não exclui os eruditos. E, às vezes, cruzam-se e é magnífico.
Felizmente que é assim que as coisas se passam em todo o mundo. Haverá sempre poetas que escrevem sobre toureiros, romancistas que escrevem sobre futebolistas e artistas que pintam fadistas e outros vencidos da vida que venceram em toda a linha..
Os funerais destes heróis populares, frequentemente mal-nascidos, sempre se constituíram em altas catarses. Aconteceu assim, ao longo de todo o século XX, com toureiros em Córdoba, com cantadores de tango em Buenos Aires, com fadistas em Lisboa e com futebolistas em Moscovo, no caso de Lev Yashin, o fabuloso Aranha Negra.
O espanto, e até mesmo a indignação, face à comoção popular suscitada pela morte de Eusébio, que foi “apenas” um futebolista, é espetáculo triste de se assistir porque revela, lá no fundo, mesmo bem lá no fundo, um enorme desprezo pelo poder do homem da rua, um poder maravilhosamente anónimo que confere o estatuto de lenda só a quem lhe merece.
E nunca ninguém conseguiu impingir uma lenda às ruas.
Foi quando o funeral de Eusébio, apenas um futebolista, saiu do Estádio da Luz, ou seja, da sua casa onde foi justamente homenageado pelos seus, e avançou pela cidade ao encontro da multidão anónima que fazia alas para o deixar passar, é que se fez prova definitiva do estatuto que lhe foi e será conferido pelo homem da rua.
Lisboa despediu-se de uma lenda.
E despedimo-nos todos, por fim, do nosso século XX.
“Bella Guttman prepara-te, o King vai-te dar uns tabefes !”, escreveu um amigo meu, Hugo Sá Nogueira, na sua página do Facebook na manhã do último sábado.
Foi, para mim, o melhor que li nesse dia e nos outros que se lhe seguiram a propósito da morte de Eusébio, no “Facebook”.
Pelo melhor do Twitter tive de esperar três dias mas valeu a pena a demora. Chegou assinado por Mike Tyson. O pugilista norte-americano capaz de arrancar orelhas à dentada, entre outras habilidades, mandou-nos um belo recado: “R.I.P. Eusebio Black Panther BENFICA forever”. É assim mesmo, Tyson.
Em termos de redes sociais, concluindo: Hugo Sá Nogueira & Mike Tyson, o meu respeito.
Em termos de Panteão, não tenho nada a dizer. É uma honraria, certa e indiscutivelmente. Mas é uma honraria que, objectivamente, não acrescenta nada à lenda. Pode acrescentar ao Panteão, isso sim.
Em termos de cachecóis, também tenho pouco ou nada a dizer. Ditada pela emoção, o que é muito respeitável, a ideia de imortalizar a área circundante à estátua de Eusébio, tal como ficou, coberta de cachecóis, até á saída da Luz do funeral, não me parece de excelência.
Se vivêssemos numa utopia, sim, seria talvez uma boa ideia. Mas não vivemos. E engaiolando a área da estátua, o Benfica vai ter certamente aborrecimentos vários e frequentes se não entender como imperioso contratar segurança, e da boa, 24 horas por dia.
O Benfica até tem um Museu, espaço fechado, protegido, onde poderá recriar todo esse ambiente dando-se, se quiser, ao trabalho de encomendar uma réplica da estátua e de a rodear dos cachecóis de todos os clubes, tal como aconteceu, espontaneamente, na chamada “vida real” quando a multidão se começou a dirigir para o Estádio da Luz depois de conhecida a notícia da morte de Eusébio.
Cristiano Ronaldo vai ser condecorado pelo presidente da nossa República. A cerimónia deveria ter ocorrido anteontem mas acabou por ser adiada por razões óbvias.
Cristiano Ronaldo é um futebolista excepcional e merece todas as medalhas e comendas que o seu país lhe queira outorgar. Embora não precise de nada disso para continuar a ser o futebolista portentoso que é.
O regime, seja ele qual for, nunca hesitou em condecorar os seus desportistas excepcionais. É uma necessidade. Uma necessidade do regime, qualquer que seja o regime, e não do desportista. É esta a vantagem do desportista nestas ocasiões. Na verdade, não precisa. Já o regime, precisa.
Acontece agora com Cristiano Ronaldo como aconteceu com Eusébio quando jogava. É normal que assim seja. Mas nunca lhes chamem, por favor, “futebolistas do regime” porque esse é o maior dos abusos. E para abusos, francamente, já basta.
Voltando à “vida real”. No próximo domingo há um Benfica-FC Porto. Nas duas últimas edições do campeonato o título decidiu-se sempre nestes confrontos directos entre os dois grandes rivais.
Nada garante que este ano volte a acontecer a mesma coisa até porque, este ano, o Sporting renasceu para a luta e o que se discutia ferozmente a dois passou a ser discutido a três, o que altera muita coisa.
Pois que seja um bom jogo e que ganhe o Benfica, são os meus votos.
Homenagear Eusébio é, muito simplesmente, ganhar campeonatos, títulos nacionais, títulos internacionais.
Por isso fico tão alheia a conversas de cachecóis e de panteões.
Viva o Rei!
Foi-se embora no fim-de-semana passado, o cidadão Eusébio da Silva Ferreira que se notabilizou nas décadas de 60 e 70 do século passado como um futebolista de excepção. Tratou-se de um desportista de inquestionável “fair-play”, idolatrado no seu clube e no seu país e, não é exagero dizê-lo, em todos os cantos onde o futebol tem expressão.
Tinha um belíssimo sorriso mas o mundo apaixonou-se por Eusébio quando o viu chorar numa tarde de Julho de 1966, já lá vão muitos anos.
Aliás, se os homens soubessem das emoções que despertam quando choram em público, chorariam mais vezes.
A fama de Eusébio enquanto jogador de futebol transformou-o num fenómeno de popularidade à escala global e é justo dizer-se de Eusébio que foi, involuntariamente, o maior embaixador de Portugal no século XX.
O maior embaixador, o melhor embaixador de Portugal e “sem encargos para o erário público”, como diz, e muito bem, a Maria Emília, uma amiga minha de há muitos anos.
Pelos primeiros dias de Junho passado recebi um telefonema de um velho amigo, António Loja Neves. Foi direito ao assunto o António.
Visitaria Lisboa nos próximos dias para participar numas jornadas coloquiais o pensador e eurodeputado franco-alemão Daniel Cohn-Bendit, que foi o rosto da revolta estudantil em Paris em Maio de 1968.
António Loja Neves, se bem me recordo, era organizador desse encontro político-filosófico na nossa capital e recebera de Daniel Cohn-Bendit um pedido urgente, de última hora e que muito desejava satisfazer por delicadeza e não só.
Cohn-Bendit queria absolutamente aproveitar a sua passagem por Lisboa para conhecer o português vivo que mais admirava, Eusébio. Era o seu ídolo, ponto final.
Passei sem demora a António Loja Neves um número de telefone dos serviços de Comunicação do Benfica e, alguns dias passados, constatei através da imprensa que Daniel Cohn-Bendit concretizou o seu sonho. Esteve com Eusébio, almoçaram juntos na Adega da Tia Matilde e trocaram presentes. Os relatos dessa ocasião referem que ambos se comoveram.
O ex-anarquista porque, nas suas palavras, esteve junto de uma lenda, a lenda porque estava longe de esperar que um pensador, uma figura histórica dos movimentos políticos estrangeiros do século XX, de quem provavelmente nunca tinha ouvido falar, lhe aparecesse à mesa com um monte de velhos recortes de jornais e de fotografias suas antigas, do tempo em que jogava futebol.
Em boa verdade, cada um à sua maneira era uma lenda, com direito a antonomásia e tudo. Eusébio, “a pantera negra”, Daniel Cohn-Bendit, “Danny, Le Rouge”, “Danny, o Vermelho” e não “Danny, o Tinto”, como alguns, quiçá apressadamente, se disporiam a traduzir ou por blasfémia ou por inveja ou por mal querença política.
Futebol não é propriamente alta cultura, assentemos nisto. Sabendo que, por palavras simples, existe uma cultura erudita que não exclui os populares e que sempre existirá uma cultura popular que não exclui os eruditos. E, às vezes, cruzam-se e é magnífico.
Felizmente que é assim que as coisas se passam em todo o mundo. Haverá sempre poetas que escrevem sobre toureiros, romancistas que escrevem sobre futebolistas e artistas que pintam fadistas e outros vencidos da vida que venceram em toda a linha..
Os funerais destes heróis populares, frequentemente mal-nascidos, sempre se constituíram em altas catarses. Aconteceu assim, ao longo de todo o século XX, com toureiros em Córdoba, com cantadores de tango em Buenos Aires, com fadistas em Lisboa e com futebolistas em Moscovo, no caso de Lev Yashin, o fabuloso Aranha Negra.
O espanto, e até mesmo a indignação, face à comoção popular suscitada pela morte de Eusébio, que foi “apenas” um futebolista, é espetáculo triste de se assistir porque revela, lá no fundo, mesmo bem lá no fundo, um enorme desprezo pelo poder do homem da rua, um poder maravilhosamente anónimo que confere o estatuto de lenda só a quem lhe merece.
E nunca ninguém conseguiu impingir uma lenda às ruas.
Foi quando o funeral de Eusébio, apenas um futebolista, saiu do Estádio da Luz, ou seja, da sua casa onde foi justamente homenageado pelos seus, e avançou pela cidade ao encontro da multidão anónima que fazia alas para o deixar passar, é que se fez prova definitiva do estatuto que lhe foi e será conferido pelo homem da rua.
Lisboa despediu-se de uma lenda.
E despedimo-nos todos, por fim, do nosso século XX.
“Bella Guttman prepara-te, o King vai-te dar uns tabefes !”, escreveu um amigo meu, Hugo Sá Nogueira, na sua página do Facebook na manhã do último sábado.
Foi, para mim, o melhor que li nesse dia e nos outros que se lhe seguiram a propósito da morte de Eusébio, no “Facebook”.
Pelo melhor do Twitter tive de esperar três dias mas valeu a pena a demora. Chegou assinado por Mike Tyson. O pugilista norte-americano capaz de arrancar orelhas à dentada, entre outras habilidades, mandou-nos um belo recado: “R.I.P. Eusebio Black Panther BENFICA forever”. É assim mesmo, Tyson.
Em termos de redes sociais, concluindo: Hugo Sá Nogueira & Mike Tyson, o meu respeito.
Em termos de Panteão, não tenho nada a dizer. É uma honraria, certa e indiscutivelmente. Mas é uma honraria que, objectivamente, não acrescenta nada à lenda. Pode acrescentar ao Panteão, isso sim.
Em termos de cachecóis, também tenho pouco ou nada a dizer. Ditada pela emoção, o que é muito respeitável, a ideia de imortalizar a área circundante à estátua de Eusébio, tal como ficou, coberta de cachecóis, até á saída da Luz do funeral, não me parece de excelência.
Se vivêssemos numa utopia, sim, seria talvez uma boa ideia. Mas não vivemos. E engaiolando a área da estátua, o Benfica vai ter certamente aborrecimentos vários e frequentes se não entender como imperioso contratar segurança, e da boa, 24 horas por dia.
O Benfica até tem um Museu, espaço fechado, protegido, onde poderá recriar todo esse ambiente dando-se, se quiser, ao trabalho de encomendar uma réplica da estátua e de a rodear dos cachecóis de todos os clubes, tal como aconteceu, espontaneamente, na chamada “vida real” quando a multidão se começou a dirigir para o Estádio da Luz depois de conhecida a notícia da morte de Eusébio.
Cristiano Ronaldo vai ser condecorado pelo presidente da nossa República. A cerimónia deveria ter ocorrido anteontem mas acabou por ser adiada por razões óbvias.
Cristiano Ronaldo é um futebolista excepcional e merece todas as medalhas e comendas que o seu país lhe queira outorgar. Embora não precise de nada disso para continuar a ser o futebolista portentoso que é.
O regime, seja ele qual for, nunca hesitou em condecorar os seus desportistas excepcionais. É uma necessidade. Uma necessidade do regime, qualquer que seja o regime, e não do desportista. É esta a vantagem do desportista nestas ocasiões. Na verdade, não precisa. Já o regime, precisa.
Acontece agora com Cristiano Ronaldo como aconteceu com Eusébio quando jogava. É normal que assim seja. Mas nunca lhes chamem, por favor, “futebolistas do regime” porque esse é o maior dos abusos. E para abusos, francamente, já basta.
Voltando à “vida real”. No próximo domingo há um Benfica-FC Porto. Nas duas últimas edições do campeonato o título decidiu-se sempre nestes confrontos directos entre os dois grandes rivais.
Nada garante que este ano volte a acontecer a mesma coisa até porque, este ano, o Sporting renasceu para a luta e o que se discutia ferozmente a dois passou a ser discutido a três, o que altera muita coisa.
Pois que seja um bom jogo e que ganhe o Benfica, são os meus votos.
Homenagear Eusébio é, muito simplesmente, ganhar campeonatos, títulos nacionais, títulos internacionais.
Por isso fico tão alheia a conversas de cachecóis e de panteões.
Viva o Rei!
Acho que de uma maneira ponderada disse tudo... Excelente!
ResponderEliminarEm relação á estátua é uma questão complicada... o gesto dos cachecóis foi tão bonito, tão inesperado que percebo que se queira preservar o que ficou. Olhar para a estatua assim é forte, é lindo demais. Por isso entendo a preservação... Por outro lado, aquele sempre foi um espaço em que os adeptos podiam tocar, tirar fotos... Sempre foi dos adeptos, tal como o EUSEBIO... por isso também entendo quem seja contra fechar aquilo.
Acho é que de qualquer das formas devemos entender que o que se faça é mais uma tentativa de homenagear, e preservar a memória EUSEBIO... E SÓ POR ISSO JÁ VALE A PENA.
Cumprimentos.
AG