Crónica de Leonor Pinhão no jornal A Bola de hoje:
"Véspera de Santo António em Lisboa. Enquanto vão comendo sardinhas, dois populares conversam sobre coisas do futebol. É tudo gritado porque a música do arraial impera e abafa. É tempo dela.
- O que me dizes ao novo treinador do FC Porto?
- Os novos treinadores do FC Porto, quererás tu dizer…
- Como?
- Ouviste muito bem. Os novos treinadores do FC Porto…
- Mas estás a contar com os adjuntos do Paulo Fonseca?
- Não, de maneira nenhuma.
- Oh pá foi o acontecimento desportivo nacional da semana. O novo treinador do FC Porto, o sucessor de Vítor Pereira. Andas a dormir?
- Compreendi-te. Mas o FC Porto esta semana não foi o único clube a ter novos treinadores do FC Porto.
- Charadas a esta hora é que não, por favor, não me atrases a paciência.
- Por exemplo, o Arouca também teve um novo treinador do FC Porto, o Pedro Emanuel.
- Isso não conta, por amor de Deus.
- E o Paços de Ferreira também teve um novo treinador do FC Porto, o Costinha.
- O Costinha é do Sporting desde pequenino tal como fez questão de o afirmar na sua não muito longínqua passagem por Alvalade.
- Sim, é do Sporting desde pequenino mas, para todos os efeitos, não deixa de ser o novo treinador do FC Porto em Paços de Ferreira.
- Diziam que ia para lá o Jorge Costa.
- Outro, está a ver? Ó próximo campeonato já está todo minado.
- Essa é uma análise que enferma de fanatismo.
- Chama-lhe fanatismo, chama-lhe. E vai o levar o Maniche.
- Quem? Para onde?
- O Costinha vai levar o Maniche como adjunto para a Capital do Móvel.
- Pela tua ótica, portanto, o Maniche engloba-se na categoria de novo treinador-adjunto do FC Porto.
- Sem tirar nem pôr.
- Então nesse caso como classificas profissionalmente o Sérgio Conceição e o Nuno Espírito Santo?
- Transitam para a próxima temporada?
- Transitam, sim senhor.
- Então nesse caso o Sérgio Conceição é o antigo treinador do FC Porto em Olhão e o Nuno Espírito Santo é o antigo treinador do FC Porto em Vila das Aves.
- Oh demência.
- Se calhar devíamos ameaçar desistir do próximo campeonato como fizemos em relação à final da Taça dos Campeões Europeus de hóquei em patins.
- Agora interessas-te por hóquei em patins?
- Somos campeões europeus porque, segundo o próprio treinador do FC Porto, os seus jogadores passaram em claro a noite da véspera da final a ir à internet para ver se o Benfica desistia ou se desistia de desistir.
- Olha que bem pensado.
- E, pensando bem e melhor, o professor Jesualdo Ferreira é o antigo treinador do FC Porto em Braga.
- Basta!
- E o Jorge Jesus é o ex-novo treinador do FC Porto no Estádio da Luz.
- Francamente…E o que me dizes ao antigo treinador do FC Porto ir para a Arábia Saudita treinar o Al-Ahli, um clube mouros…
-… ainda não rescindiu!
- Provavelmente até lhe renovaram o contrato e esqueceram-se de o avisar.
- Provavelmente foi isso mesmo.
E continuaram a conversar pela noite fora sem necessidade de mudar de assunto e quase sempre em desacordo embora fossem do mesmo clube.
O recente sucesso de Jupp Heynckes no comando do Bayern de Munique tem dado pano para mangas. Mourinho citou-o para justificar o seu regresso ao Chelsea e a possibilidade de se voltar a ser feliz onde já se foi feliz.
Também ouvi a muitos benfiquistas, em defesa da continuidade de Jorge Jesus, dar o exemplo do treinador alemão que, depois de ter perdido tudo no final da época de 2011/2012, acabou por ganhar tudo no final da época de 2012/2013.
E ainda ouvi benfiquistas que, antes pelo contrário, viam em Jupp Heynckes o substituto ideal de Jorge Jesus.
- Ele até fala bem castelhano – foi um dos argumentos apresentados.
- Mas para quê contratar um treinador que fala castelhano se agora o nosso plantel é sérvio? – logo houve quem contrapusesse com mau humor.
No entanto, a mais troante de todas as justificações que ouvi para a aposta do Benfica em Heynckes foi esta:
- Para ele era ótimo porque nem sequer tinha de sair do seu país.
- …
- Sim, ou não somos actualmente um amável colonato da Alemanha?
Adiante para não se meter política no assunto.
O futuro próximo de Pep Guardiola presta-se também a boas e a más comparações com as nossas coisinhas. O treinador catalão vai, precisamente, substituir Jupp Heynckes no Bayern de Munique e tem pela frente a tarefa de, pelo menos não fazer pior do que o seu predecessor.
O que é francamente difícil, para não dizer quase impossível.
.- Aliás, o Paulo Fonseca, se pensarmos bem, vai ser o Guardiola do FC Porto – ouvi dizer assim que o antigo treinador do Paços de Ferreira se transformou no novo treinador do FC Porto.
- O Guardiola do FC Porto? – espantei-me naturalmente.
- Sim, vai ter fazer, no mínimo, igual ao Vítor Pereira que ganhou dois campeonatos seguidos sofrendo apenas uma única derrota. Menos do que isto é estragar.
- Está bem visto, sim senhor.
Do século XX português o estadista, o homem político que mais me encanta foi o diletante, sofisticado e helenista republicano Manuel Teixeira Gomes, presidente da República entre 1923 e 1925. Um período curto que o reteve, nas suas próprias palavras, “prisioneiro, aborrecido e enjoado” de um bando de “políticos intoleráveis” que não serviam o país mas que, ainda assim, serviram a Manuel Teixeira Gomes como fonte de inspiração: “procurei estudá-los mais como romancista do que como Chefe de Estado”. Sim, o nosso presidente também era escritor.
Teixeira Gomes renunciou ao cargo, foi de Belém a São Bento entregar a sua demissão à assembleia, depois foi de São Bento até casa, fez as malas, meteu-se no primeiro barco que saía do porto de Lisboa – o “Zeus” – e desembarcou no norte de África, em Oran, “iniciando aí, mau grado a velhice, esta grande primavera de liberdade e felicidade qua ainda agora dura”, como escreveu numa carta a António Patrício.
Nunca mais pôs os pés em Portugal. Viajou muito e fixou-se, por fim, em Bougie, na antiga Argélia francesa, onde viria a morrer em 1941 na suspirada qualidade do total anonimato que pertencia ao hóspede do quarto n.º 13 do Hotel de L’Etoile, com ampla vista para o Mediterrâneo.
Descobri recentemente num alfarrabista da Rua do Poço dos Negros um livro sobre este nosso Estadista publicado em Lisboa no ano da sua morte e da autoria de Norberto Lopes. Chama-se “O Exilado de Bougie” e logo me apressei a lê-lo certa de que iria encontrar novas razões para alimentar a minha estima e quase fascínio pela soberba figura paradoxal deste patriota português a quem o país amado aborrecia, aprisionava e enjoava ao ponto de zarpar para sempre e sem remorsos.
E encontrei, claro, muitas das novas razões que procurava. Entre elas, se me permitem, esta: Manuel Teixeira Gomes era fã do Tamanqueiro!
Do antigo presidente da República que bendizia cada final de dia passado longe da Pátria e da I República com um “este já ninguém mo tira!” já falei o suficiente. Do Tamanqueiro vou falar agora. Chamava-se, na verdade, Raul Soares Figueiredo e foi um excepcional futebolista algarvio, primeiro do Olhanense e, depois, do Benfica. Numa carta a José Pontes, Manuel Teixeira Gomes, refere-se-lhe assim:
“Diante dos olhos ainda me perpassam as tardes heroicas; aclamada pela multidão imensa, destaca-se, na luz vermelha do poente, a forma tão juvenilmente obstinada, na sua ubiquidade inverosímil, do Tamanqueiro caindo, erguendo-se, pulando como se a terra lhe servisse de trampolim, sem deixar nunca de sorrir.”
Manuel Teixeira Gomes era também algarvio, nascera em Portimão, e provavelmente o seu alto apreço pelo Tamanqueiro tinha uma forte componente de amor regional. Quero eu dizer que das palavras do Estadista não se pode concluir que fosse um benfiquista de alma e de coração.
No entanto, mais adiante no livro, quando Teixeira Gomes já está instalado no norte de África para nunca mais voltar e escreve a Columbano Bordalo Pinheiro as suas impressões magrebinas, aí é que, na minha enfermada opinião, se desnuda todo um benfiquismo atávico e genial.
Ouçamo-lo:
“A afinidade congénita mais se avigorou e hoje, velho como estou, se tivesse de mudar de nacionalidade, era entre sarracenos que de preferência a buscaria. E tudo me incita a tomar tal resolução!”
A este homem não me importaria de chamar presidente.
Carrega, Toni!"