Crónica de hoje da Leonor Pinhão
A caminho da terceira final da Liga Europa
O resultado mais admirável da jornada inaugural desta Liga dos Campeões foi o do jogo Olympiakos-Atlético de Madrid que para o interesse dos benfiquistas foi liminarmente encarado como o jogo Roberto-Oblak.
Ganhou o Roberto por 3-2 ao Oblak. Este, sim, é um resultado sensacional.
Já no jogo Benfica-Zénite o mais sensacional não foi propriamente o jogo, muito menos o resultado, mas o que se viveu nas bancadas do Estádio da Luz assim que o árbitro norueguês apitou para acabar com aquilo.
Imediatamente se ouviu um fortíssimo clamor de aplausos para a equipa da casa, a equipa derrotada, como testemunho do reconhecimento por um trabalho honesto e abnegado em circunstâncias de inferioridade muito difíceis de disfarçar.
Com pouco mais de um quarto-de-hora de jogo era flagrante a diferença de poderio individual entre as duas equipas. Nada a obstar, portanto, ao resultado. A fase de grupos da Liga dos Campeões tem sido, por regra, o passaporte do Benfica para posteriores glórias na Liga Europa que, essa sim, é a nossa praia.
Aliás, sem drama e com as mais altas expectativas, já nos estou a ver a caminho da terceira final consecutiva da Liga Europa.
Pelo carácter demonstrado pela equipa, pela paixão a todos comum e pelo sentido de justiça exibido pelos adeptos, nunca uma derrota me aborreceu tão pouco como a de anteontem.
Para mim, só para mim, Talisca era Talisca, o Coveiro, antes de Jorge Jesus ter dado cabo da hipótese de o baiano poder ter em Portugal qualquer outra alcunha que não seja D’Artagnan.
E Talisca, o Coveiro, porquê? Porque, num modo cinéfilo de ver as coisas e as pessoas, Talisca tem pinta de coveiro.
No cinema, tal como os personagens de banqueiros são normalmente representadas por tipos anafados, tal como os personagens de mordomos são normalmente representadas por tipos cheios de classe, os personagens de coveiros exigem sempre tipos longilíneos, desengonçados e com orelhas de abanico.
Na noite de sexta-feira, mais e melhor a alcunha de O Coveiro assentou em Talisca depois de, com três golos, ter enterrado as esperanças do Vitória de Setúbal. Uma equipa de futebol que não tem, metaforicamente, um regular coveiro dos adversários tem poucas hipóteses de sonhar alto.
E uma equipa de futebol que tem entre as suas fileiras um coveiro das suas próprias ilusões muito menos vai a lado algum. Adiante…
Talisca, o Coveiro, assim se manteve, nos meus pensamentos, catalogada a arte do baiano nos dias imediatamente seguintes ao jogo do Bonfim, para mais vendo o Sporting e o FC Porto empatar os seus respetivos jogos sem coveiros que lhes valessem, bem antes pelo contrário.
Depois veio José Mourinho falar de Talisca, The Undertaker, para nos dizer que o jogador brasileiro do Benfica era já bem conhecido em Inglaterra antes de viajar para Luz e que só não está a jogar nas ilhas britânicas por não ter visto de trabalho. Acredito que José Mourinho tenha razão no que disse.
Mas Jorge Jesus é que não se aguentou. É por estas e outras coisas que gosto tanto do nosso treinador. “Conheciam tanto o Talisca como eu conheço o D’Artagnan!”. E tomem nota de que o treinador do Benfica não se referiu ao “Dartacão” da bonecada infantil. Referiu-se ao “D’Artagnan” dos romances de Alexandre Dumas, pai, que é logo outra coisa.
Temos, assim, para todo o sempre Talisca, o D’Artagnan. Adeus, Talisca, o Coveiro. Quem sabe, sabe.
Quem também sabe e sabe muito é o nosso José Augusto, bi-campeão europeu. Vi o jogo Vitória de Setúbal-Benfica a seu lado em Vila Nova de Foz Coa por motivos que coincidiram dos nossos respetivos calendários… cinematográficos. José Augusto foi ao Alto Douro apresentar um filme sobre Eusébio e eu fui lá fazer outra coisa qualquer que não vem para o caso.
Quando Jorge Jesus substituiu Talisca, ainda o Coveiro, depois de o baiano ter feito os tais três golos de rajada, o melhor extremo-direito da Europa na década de 60 do século passado torceu o nariz. “Compreendo o Jesus mas eu não o substituía, quando um jogador está com o pé quente é deixá-lo em campo, quem sabe se não fazia um quarto golo ou mesmo um quinto golo?”.
- Foi substituído para os aplausos – alguém alvitrou.
- Tem 20 anos, tem muitos anos pela frente para os aplausos – retorquiu José Augusto, o grande.
É deste Benfica que gosto.
A decadência do futebol nacional fez mais uma vítima. No caso presente chama-se Paulo Bento. Não é que Paulo Bento seja o melhor treinador do mundo mas basta olhar para a constituição das equipas do Benfica e do FC Porto na última jornada do campeonato – e o Benfica e o FC Porto são os dois únicos clubes portugueses de top internacional – para se evidenciar o, chamemos-lhe assim, âmago da questão.
Nos respetivos “onzes” com que iniciaram os jogos de Setúbal e de Guimarães cada emblema rival apresentou apenas um jogador compatriota de Luís de Camões. No caso do Benfica, o veterano Eliseu. No caso do FC Porto, o adolescente Rúben Neves.
Nem Eliseu nem Rúben Neves estiveram no Mundial do Brasil nem na última convocatória de Paulo Bento, a referente ao jogo que se haveria de revelar desgraçado com a Albânia.
Já o Sporting, que se assumiu no arranque da época como garboso candidato ao título partindo, como anunciou Inácio, da “pole position” para a grande corrida, apresentou seis compatriotas de Luís de Camões na sua equipa titular no jogo com o Belenenses.
Três deles - Rui Patrício, William Carvalho e Nani – estiveram no Mundial do Brasil a representar, dentro das suas possibilidades, a nossa seleção.
E sendo assim, destacadamente, o Sporting o mais “português” entre os três grandes, conclui-se que esse sobriquet não lhe tem valido de muito nestas primeiras quatro jornadas do campeonato em que já perdeu 6 patrióticos pontos.
Todos sabemos que, face ao império do mercado, qualquer jogador português que seja um bocadinho, e basta um bocadinho, acima da média vai parar ao estrangeiro num abrir e fechar de olhos. E, obviamente, não vão todos para o Real Madrid.
E não vai nenhum para o Manchester United, para o Barcelona, para o Bayern de Munique, para a Juventus, etc…
O que o futebol português tem produzido, de uma maneira geral, nos últimos anos são jogadores internacionais da segunda linha europeia. Jogadores que cabem no Wolfsburgo, no Málaga, no Dínamo de Kiev, no Desportivo da Corunha, no Lyon, no Fenerbahce. E também uma pequena e simpática legião de jogadores que, ainda não tendo emigrado, representa em Portugal emblemas respeitáveis como o Sporting de Braga ou o Vitória de Setúbal.
Aliás, nesta ponta final da era Paulo Bento, tem sido o Sporting de Braga o grande alimentador interno da seleção nacional. E recordemos que o Sporting de Braga, que ainda na última jornada perdeu com o Arouca, ocupa presentemente o 6.º lugar da Liga portuguesa.
É com isto que o próximo selecionador se tem de confrontar.
Por este conjunto de razões, e quando o país debate com intensidade o nome do sucessor de Paulo Bento, abstenho-me de lançar sugestões. Não é por modéstia. É por comiseração.
É porque, com franqueza, não antipatizo, nem de perto nem de longe, com nenhum treinador português ao ponto de gostar de o ver no comando da selecção nacional de futebol. Ninguém merece.
Revelava este jornal na sua edição desta última terça-feira que o presidente do Sporting, para além de ter ficado agastado com o árbitro do jogo com o Belenenses, ficou também agastado com os jogadores da sua equipa tendo aplicado ao grupo um castigo e peras.
“O presidente do clube de Alvalade optou por não falar com os jogadores nos dias seguintes ao encontro frente aos azuis do Restelo, não se deslocando à Academia nem domingo nem ontem”, lia-se em “A BOLA” de anteontem.
Castigo ou bênção, no final de contas?
Derley entrou bem no jogo com o Zénite substituindo Lima que anda arredado dos golos e, por isso, tristonho. André Almeida também entrou bem para os quinze minutos finais com os russos. Alma até Almeida! – conhecem, com certeza, a expressão.