sábado, 14 de dezembro de 2013

Grande entrevista do Senhor António Simões


O Senhor António Simões deu uma entrevista ao Record:


A caminho do terceiro Mundial (um como jogador e dois como técnico adjunto), o antigo extremo, que trabalha com Carlos Queiroz na seleção do Irão, completa hoje 70 anos. E diz-se disponível para dar mais ao clube onde chegou em 1959. As pernas não aguentam, mas o coração tem força.

RECORD – Reconhece que foi um dos melhores extremos portugueses?

SIMÕES – Nunca tive a intenção de ser o melhor; por isso, admito e acredito que não fica mal se disser que tive uma carreira interessante, num clube que me deu dimensão. Há uma opinião concreta e substanciada de que fui um bom intérprete, que fui capaz de jogar bom futebol. Não sei se fui um dos melhores, mas deixava as coisas assim.

R – Foi o que foi graças ao Benfica?

S – Diria que há uma parte substancial da dimensão que atingi jogando no Benfica. Entre mim e o Benfica as contas estão feitas. O clube deu-me muita coisa e eu dei alguma. Não sei se está pago, mas ainda tenho de fazer mais alguma coisa pelo clube. As pernas não deixam dar, mas o coração dá sempre, é eterno.

R – Apareceu numa altura em que só havia jogadores portugueses. Hoje, em função da abertura a outros mercados, teria dificuldades em vingar?

S – Joguei com os melhores jogadores portugueses dessa geração. Alguns deles vieram das nossas ex-colónias e são intemporais. Se hoje tivessem 20 anos, seriam tão bons ou melhores do que alguns estrangeiros que temos por cá. Também compreendo que o mercado é muito mais abrangente. Geograficamente, a Europa continua do mesmo tamanho, mas futebolisticamente aumentou bastante, porque é um mercado livre. Não diria mais dificuldades, mas mais competição à minha volta haveria. Mas lutaria por esse lugar, como sempre fiz.

R – Seria interessante ouvir a sua história. Começou a jogar no Almada...

S – Sim, e fui para o Benfica com 15 anos, por um preço extravagante em 1959: 40 contos [200 euros]. Nessa altura, com esse dinheiro, comprava muita coisa para o resto da sua vida.

R – Havia futebolistas na sua família?

S – Os meus irmãos mais velhos, sim. Um deles, canhoto, esteve muito próximo de ser internacional júnior. Chamava-se Eugénio – era conhecido como Genito. Antes disso não há uma história de futebolistas. Também tenho um irmão gémeo, chamado Aníbal, que não quis enveredar por essa carreira. Mas tenho a certeza que se tivesse jogado, teria tido uma carreira interessante.

R – Sei que passeava por Corroios a dizer que queria ser futebolista...

S – Os meus pais eram comerciantes e mudaram de Corroios para a Cruz de Pau. Estabeleceram-se lá. O Benfica ia jogar ao Barreiro e a Setúbal e eu ia a correr ver passar o autocarro da equipa, o “marreco”. Tenho na minha memória o Costa Pereira sentado à frente. Mas o que queria era ver o José Águas. Tinha qualquer coisa por ele. Ficava todo contente porque conseguia decifrar alguns jogadores. Quando comecei a jogar no Almada, numa categoria que hoje é de Sub-16, ouvia as pessoas dizer “este miúdo não pode ficar aqui, tem de ir embora”. Veio o Sporting...

R – ...o Sporting?

S – O Belenenses foi o primeiro clube onde me treinei; contudo, não podia desembolsar essa quantia. Depois estive oito meses no Sporting, que não despendeu os 50 contos [250 euros] que o Almada pedia e o Benfica negociou por 40. O clube, que tinha uma política de deteção de talentos muito agressiva, soube que havia um miúdo que, estando no Sporting, não podia jogar por estar vinculado ao Almada. Não sei o que seria a minha carreira no Sporting, mas, com todo o respeito pelo clube, há males que vêm por bem. O Benfica já tinha Costa Pereira, Coluna, José Águas... Tive o privilégio de crescer com toda esta gente à minha volta.

R – Na sua carreira, aconteceu tudo muito depressa...

S – Foi sempre tudo prematuro. Tinha idade de principiante, mas o próprio Guttmann achava que devia começar nos juniores. Dois anos mais tarde, aconteceu a mesma coisa. Tinha idade de júnior, mas decidiu que devia começar nos seniores.

R – Ainda se lembra de como foi chamado?

S – Na final do campeonato de Lisboa, com o Belenenses, na Tapadinha, marquei os três golos da vitória. O sr. Bela Guttmann assistiu a esse encontro com o sr. Fernando Caiado, seu assistente, e no final disse, com aquela mistura de espanhol, italiano e português: “Caiado, este menino vai jogar com gente crescida. Vai trazê-lo para os treinos na terça-feira”. A minha carreira nos juniores terminou aí! Não tinha a noção do grau de dificuldade do que já era capaz de fazer nessa altura. Tudo me saía com alguma naturalidade. Aos outros que assistiam é que era algo de diferente.

R – Foi prematuro também nos títulos. Logo na primeira época conquistou o título de campeão europeu, o segundo do Benfica...

S – Com 18 anos, tinha ganho tudo, tornei-me num pequeno ídolo. Mas havia gente a meu lado que me fez perceber que a minha carreira começava ali, não terminava. Não me deixaram deslumbrar, era proibido! Como é óbvio, não me perdi. Quanto ao título de campeão europeu, lembro-me de tudo, dos contrastes do jogo, umas vezes a rir, outras a chorar... Ainda hoje tenho dúvidas se o país tem a devida dimensão do que foi vencer o Real Madrid numa final. Esta vitória tem um tamanho que não é possível dimensionar, é tão grande que não cabe neste mundo! Não há apenas uma dimensão desportiva. Há também uma dimensão social, política...


R – Ainda hoje é o mais jovem a sagrar-se campeão europeu.

S – Algo de que só tive conhecimento há pouco tempo. É uma coincidência e um feito ligado a uma carreira cujo início deixou marca.

R – Seguiram-se mais finais da Taça dos Campeões europeus e o Mundial.

S – Seguiram-se mais três finais e por razões diversas não conseguimos fazer o tri. Ficou essa mágoa. No meio de tudo isso, o Mundial de 66 consagrou toda aquela gente. Entre 1961 e 1968, o sucesso dessa geração, num período curto, é extremamente marcante. Aquilo que o futebol fez não correspondia à dimensão do país. Fomos além do que o país valia.

R – Aos 22 anos, já tinha sido campeão nacional e europeu e participado num Mundial. Por que não saiu para o estrangeiro?

S – O Boca Juniors mostrou interesse. O que me surpreendeu foi ter sido um clube argentino. Numa digressão aos EUA, fizemos dois jogos com os argentinos, em San Francisco e Los Angeles, após o Mundial. Aquilo correu tudo bem e as duas comitivas ficaram no mesmo hotel. O presidente e o capitão entenderam logo ali abordar o Benfica, mas o clube pretendeu exercer os seus direitos. O dinheiro era muito e lutei, tentei... Financeiramente, a minha vida podia ter ficado resolvida. Mas fiz bem em ficar. Hoje, quando passo na rua, dizem “o Simões do Benfica”. Isso dá-me reconhecimento. Não há ninguém que não goste de ser reconhecido. Eu gosto!

R – Acabaria por sair ao fim de 16 anos, para os EUA...

S – É preciso saber sair e percebi que era o momento de sair. Abdiquei do jogo de homenagem, um hábito na altura e que estava previsto no contrato. Tinha uma visão das coisas diferente. Saí com toda a naturalidade, sem remorsos, sem frustrações... de cabeça limpa. Fui terminar a minha carreira aos EUA. Aí, sim, começou uma nova vida. Tinha todas as condições para me preparar como treinador e manager, para um dia regressar. Estruturalmente, cresci como profissional e como homem. Tenho hoje uma estrutura social e cultural que em grande parte devo aos meus 20 anos dos Estados Unidos. A minha passagem por esse país foi tão importante como o meu crescimento no Benfica. Sou um homem feliz. O que me satisfaz hoje é partilhar a minha experiência para que outros tenham sucesso.

António Simões lembrou ainda um momento delicado na sua vida, quando optou por jogar uma partida pouco depois do seu filho falecer...

R – Um dos momentos altos da sua carreira foi o golo ao Brasil, de cabeça...

S – Já vi esse golo várias vezes, mas não para encher o ego. Para alimentar o ego, tenho uma parede lá em casa. O que fica desse golo é que o remate, um chapéu ao guarda-redes, foi intencional, após centro-remate de Eusébio, da esquerda. Eu e ele trocámos os papéis e isso demonstra a cumplicidade entre os dois. Eusébio diz que sou o irmão branco dele. Pois bem, Eusébio é o meu irmão. Não tem cor, sei é que é meu irmão. Dormi mais vezes com ele – em camas separadas! – do que com a minha mulher. Foram 14 anos a partilhar estágios.

R – Sente-se ofuscado por Eusébio?

S – Eusébio não ofusca ninguém, embora ele tivesse sido um grande jogador e, no jogo com a Coreia do Norte, no Mundial, tivesse ido além da equipa. Mas por toda a justiça, justa, que lhe possam fazer, dá a sensação de que se esquecem dos outros. Não falo por mim, mas por artistas operários, como Ângelo, Cavém, Cruz, Neto ou Mário João, importantes no Benfica campeão europeu.

R – Chalana é mencionado no livro que vai lançar. A que se deve essa admiração?

S – Para mim, foi o segundo melhor jogador do futebol português. Não jogou tanto como merecia e o seu talento pedia. Mais do que ele, foi o futebol do Benfica que mais perdeu. Depois de Eusébio, Chalana foi o melhor.

R – O futebol trouxe-lhe bons momentos, mas há um momento delicado na sua vida: o falecimento do seu filho. Mesmo assim quis jogar. Porquê?

S – Esse é um episódio de que poucos se lembram. Foi um momento doloroso. Depois de três filhas, veio um rapaz, que faleceu 24 horas depois de nascer. O Benfica ia jogar com o Sporting e não tinha nem Eusébio nem José Torres, por se encontrarem lesionados. Senti que a equipa precisava de mim. Acabámos por ganhar 1-0, com um golo meu no primeiro minuto. Houve um misto de emoções. Foi uma vitória com sabor amargo.

António Simões voltou com Manuel Vilarinho, ao Benfica...

R – Falemos de Simões dirigente. Esteve no Benfica como diretor-desportivo em dois momentos. Primeiro com Vale e Azevedo...

S – ...Mas por pouco tempo. Tomei a decisão de sair por não poder ser cúmplice com a destruição do clube, ao contrário de outros. Saí pelo meu pé e fiz mais: denunciei publicamente o que se estava a passar. Não segui apenas o que o coração dizia, mas também a razão e a honestidade.

R – Voltou com Vilarinho, num período considerado como o início de recuperação do clube...

S – ...Embora de muita dificuldade. Nessa altura estávamos sempre disponíveis, não havia horários. Tive uma tarefa terrível. Quebrei contratos, mandei gente embora, saneando o clube e criando com isso inimizades. Era um trabalho de sapa, que não tinha visibilidade. Estávamos a criar as condições para que o clube pudesse voltar a ganhar.

R – Foi Simões quem indicou Vieira a Vilarinho?

S – Conversei com Manuel Vilarinho e disse-lhe que tinha vários pessoas que podiam vir. Uma delas era Vieira. Tivemos um almoço todos – Manuel Vilarinho, Luís Filipe Vieira, João Malheiro e eu. Foi aí que tudo começou. A escolha de Vieira foi uma boa decisão! Essa escolha não se dá por acaso. Vieira é meu sobrinho e conheço-o há muitos anos e sabia que era capaz. O Benfica precisava de alguém como ele.

R – Como olha para esse período?

S – Quando o trabalho é feito por gosto e emoção, não se pensa nos riscos. Se este foi o meu último contributo, bem-haja! É um bom fecho de livro.

12 comentários:

  1. Grande Simões, um Senhor, que diz muitas verdades que agora muita gente quer ignorar.

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  2. Obrigadinho por teres trazido o Vieira.

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    1. O Simões é um Grande benfiquista ao contrário de outros.

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    2. Como o Manuel... perdão, Pedro Guerra... perdão, Fernando Santos (a partir da 1h16min50s) http://www.youtube.com/watch?v=svIc35crMig

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    3. o simões é como os outros, vai atrás da nota...

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  3. O Simões poderia também contar algo da sua passagem pelos "States" e decerto se lembraria que, comigo participou durante algum tempo num programa desportivo (rádio) na California, que fizemos uma brincadeira do tipo Totobola, além de, quando foi trabalhar para outro estado e regressava em férias, ficava hospedado em minha casa (San Jose) onde passamos longas noites jogando dominó.Bons tempos!

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  4. Obrigado Simões por teres passado pelo Benfica com orgulho e sem te pores em bicos dos pés.
    Tu e o Eusébio era os meus principais ídolos na altura.

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    1. Carlos Alberto,

      Estou a ver o Circo de Alvalade onde marcaram um penalty escandaloso a favor do Lagartedo. Primeiro nem era falta, segundo era fora da área...mas gostaria de saber o seguinte:

      1- Estive a ler alguns comentários e na Bola aparece um mentecapto a dizer que na Rádio Renascença o avençado de serviço disse que era um Penalty á Benfica....Será que alguém me pode confirmar isto? E caso afirmativo quem é a alimária que o disse de modo a que todos possamos começar a conhecer a tromba desse animal?

      2- O Paulo Pereira Cristóvão já voltou ao activo no Recreativo de Alvalade? È que os envelopes e depósitos bancários estão a chegar atempadamente aos destinatários...

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    2. É mentecapto mas sentiste-te na necessidade de trazer essa aldrabice à baila. Manda mail ao vieira, pode ser que faça capa do proximo jornal do clube.

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    3. Escusavas de vir para aqui pedir consolo para a tua aflição anal porque bunda de lagarto não vale a pena...

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  5. ExGlorioso
    E so ladroes no meu clube.

    http://www.youtube.com/watch?v=DmwXeClmmRw&feature=youtu.be

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    1. Elegeram alguem com quem se identificam. O resto que aguente.

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